Foto: Causa Operaria |
"O "deve ser" é algo concreto, ou melhor, somente ele é interpretação realista e historicista da realidade, somente ele é história em ato e filosofia em ato, somente ele é política."
Antônio Gramsci
Bolsonaro, a cada dia, confirma o que há tempos já era consenso na esquerda brasileira: não possui qualquer condição ou aptidão para a condução do país, particularmente em um momento de crise tão aguda como a atual. Para além disso, seu governo carece de legitimidade política, pois chegou à presidência em um pleito maculado pela interdição da candidatura de Lula e pelo abuso da disseminação de fakenews por meio de financiamento ilegal.
Ao longo do seu primeiro ano como governante, tornou a mentira como principal arma para governar. O desafio à lei e à Constituição tornaram-se o modus operandi da gestão de Bolsonaro, fazendo com que o atual governante tenha cometido um incontável número de crimes de responsabilidade em poucos meses à frente do governo federal. Desse modo, não é de hoje que Bolsonaro oferece sobejamente argumentos para seu afastamento do cargo que ocupa.
Com o advento da pandemia de coronavírus, os abusos de Bolsonaro que estavam claros para a esquerda nacional passaram a ser compreendidos por cada vez mais amplos setores da sociedade. O confronto do presidente com as recomendações científicas para o combate à Covid-19, que tem claramente como objetivo agradar os setores mais radicalizados que representa, levaram a que segmentos sociais, inclusive muitos que o apoiaram na corrida presidencial, enxerguem a presença de Bolsonaro no comando do país como insustentável.
As reações manifestadas pelas redes e, também, por meio dos sucessivos panelaços que acontecem no país, mostram que a oposição à Bolsonaro cresceu e hoje é maior que o “bolsonarismo”. Diariamente ecoam gritos de “Fora Bolsonaro” pelas janelas dos lares brasileiros. O ressoar dos barulhaços revelam um importante desgaste de Bolsonaro.
Segundo pesquisa do Datafolha, o desempenho de Bolsonaro em relação à pandemia é avaliado de maneira negativa por 65% da população, ficando atrás dos governadores e de seu próprio Ministro da Saúde.
São mudanças consideráveis em relação a maneira como grande parte da sociedade qualifica o presidente, inclusive por parte de seus antigos apoiadores. Porém, a transformação do ambiente político vai para além.
Após cometer uma série de crimes de responsabilidade em um espaço de poucos dias, Bolsonaro cruzou uma linha que não pode ser ignorada, pois coloca em risco a vida dos brasileiros e brasileiras, principalmente dos mais vulneráveis. Suas declarações irresponsáveis e criminosas em cadeia nacional, demonstram mais uma vez que é chegada a hora de não termos mais medo de dizer que #elenão pode continuar a exercer a função de Presidente da República.
Todas as ações de Bolsonaro são uma ameaça à vida de milhões de brasileiros. Incentivar que as pessoas deixem o isolamento é criminoso, pois como disse o presidente argentino Alberto Fernandez “a única vacina disponível contra o coronavírus nesse momento é o isolamento social”. Minimizar a maior crise sanitária mundial desde a gripe espanhola afirmando tratar-se de uma “gripezinha” pode levar a que milhões de pessoas descumpram os protocolos de prevenção avalizados pela OMS e fazer com que o vírus se dissemine em velocidade no país o que é igualmente um crime. Mentir que existe uma cura próxima ou um medicamente que tem efetividade garantida contra a Covid-19 também é criminoso. A lista dos crimes cometidos por Bolsonaro nos últimos dias é imensa e mostram que a sua preocupação com vida do povo brasileiro é inexistente. Sua única preocupação é com os dividendos políticos e econômicos que ele, sua família e seus aliados podem tirar da tragédia em curso. É repugnante e inominável. Suas posturas seriam totalmente inaceitáveis como um cidadão comum, como presidente são abomináveis.
Nesse momento, nossa maior preocupação deve ser com o povo brasileiro, com a vida e o bem-estar dos nossos 210 milhões de concidadãos. O PT acerta quando apresenta um conjunto de propostas realizáveis que visam melhorar as condições de proteção social e da saúde de nosso povo. É preciso que o PT siga atuando com cada vez maior força em prol de ações urgentes de enfrentamento ao COVID 19 e seus impactos econômicos e sociais. A aprovação da Renda Básica Emergencial para trabalhadores autônomos, informais e desempregados na Câmara dos Deputados foi uma vitória imensa e que tem a assinatura dos programas defendidos pelo nosso partido.
Porém, o PT precisa com a urgência que o momento histórico exige ter posição política nítida. No que tange ao facínora que ocupa a Presidência da República, todos sabemos que ele será parte do problema para que o país supere a crise sanitária e econômica que atravessa.
A situação não é simples, demanda cálculo e as dúvidas são muitas, mas é preciso que apresentemos ao país um caminho, um rumo a trilhar. Portanto, nossas ações devem estar guiadas pelo sentido de proteção social e sanitária do nosso povo e entendido isso torna-se claro que a bandeira do “Fora Bolsonaro” se impõe como um elemento organizador um programa de salvação pública, com democracia e com justiça.
Alguns argumentam que o equívoco na saída agora de Bolsonaro seria o fato de que a crise é profunda, e que a oposição também não teria resposta para a sua superação. Assim, seria melhor para a sua própria sobrevivência, seguir fazendo a crítica e ir construindo aos poucos um caminho alternativo para o país. Tal questão se soma a outra. Diante do desastre operativo do governo, a oposição veria uma oportunidade, pois tais erros que podem sangrar Bolsonaro e sua trupe até a morte, estrategicamente, não deveriam ser interrompidos. Ainda que tais pensamentos tenham sentido e conexão com a realidade, fato é que podem ser resumidos a uma palavra: medo.
Diante de uma crise como a que vivemos, é preciso que o PT retome com ousadia a iniciativa política para que as oportunidades que no horizonte se vislumbram, mesmo que pequenas, possam ser aproveitadas para uma ação realmente transformadora. Quem imaginaria que o mesmo Congresso que aprovou o teto dos gastos, a reforma trabalhista, a reforma da previdência e tantas outras medidas antipopulares, aprovaria em tempo recorde uma renda básica emergencial? Que até a XP investimentos, ícone do mercado financeiro, clamaria por um “novo Plano Marshall” para o Brasil, ou seja, um processo de reconstrução da economia brasileira, turbinado pelo Estado?
Nesta crise a esquerda tem a oportunidade travar batalhas concretas para fazer justiça social e fiscal e vencer com suas teses e suas políticas. Podemos concretizar a aprovação de uma taxa sobre as grandes fortunas e mostrar ao mundo que taxando o 1% mais rico da população podemos arrecadar cerca de 300 bilhões de reais, como apontam entidades de representação de auditores fiscais, e permitir espaço fiscal para a retomada das políticas sociais, de investimento público e de geração de emprego e renda. Ao mesmo tempo, temos a oportunidade afirmar o fracasso do neoliberalismo e, inclusive do capitalismo, com suas incapacidades de lidar com crises humanitárias como a que estamos vivendo. O Estado Mínimo por eles apregoado demonstra sua ineficiência. A adesão de uma maioria social a uma proposta de um programa socialista torna-se uma possibilidade concreta.
Apostar no aprofundamento da inépcia bolsonarista não é compatível com a defesa do povo brasileiro, sobretudo do povo trabalhador que se vê acometido das maiores dificuldades nesse momento de crise. Esperar que os erros de Bolsonaro cumpram qualquer tipo de função educativa com vistas a 2022 é nos limitar a um horizonte que deveria guiar apenas a mente estreita do próprio Bolsonaro.
Se concordarmos que Bolsonaro não pode mais ser presidente, ficará ainda a questão da forma do seu afastamento, que também se apresenta como fundamental ponto de divergência na esquerda brasileira.
Nós da Avante, tendência interna do Partido dos Trabalhadores, defendemos desde maio de 2019 a derrubada do governo Bolsonaro-Mourão-Guedes-Moro, em função de sua ilegitimidade originária, e a convocação de novas eleições presidenciais com Lula não apenas livre, mas também com seus direitos políticos assegurados. Esse segue sendo o caminho efetivamente democrático e o horizonte almejado pelo partido em termos políticos.
Entretanto, é preciso registrar o avanço da conjuntura e diante dela Bolsonaro se converteu na maior ameaça à saúde pública no Brasil. Portanto, defendemos que deve ser afastado da presidência, de uma maneira ou de outra. Como dissemos, crimes de responsabilidade não faltam embora sabemos que o impeachment não seja a solução para os problemas que afligem o povo brasileiro, uma solução para o fim do governo se faz necessária.
Solução que só será construída se não tergiversarmos e tivermos clareza de que para o bem do povo brasileiro ,este governo precisa terminar.
Do ponto de vista sanitário, podemos vivenciar um cenário pior que o italiano caso as pessoas sigam o comando do presidente, e de sua criminosa propaganda, e saiam às ruas. As imagens do que acontece no Equador podem ser um prenúncio do que pode acontecer por aqui caso as medidas de combate ao coronavírus sigam sendo sabotadas pelo próprio presidente. O agravamento da questão sanitária com a inépcia governamental para as questões socais podem levar o país a uma situação de completa anomia.
No plano político, ao menos duas alternativas estão colocadas. De um lado o parlamentarismo extraoficial em curso, dado que o Congresso Nacional tem dado demonstrações de que simplesmente ignorará o chefe do Executivo, pode dar lugar ao parlamentarismo real. Sonho histórico da burguesia brasileira, que quer tirar do povo o direito de escolher diretamente quem governa o país e transferir para um legislativo com a maior fragmentação partidária da história do mundo e ainda maior susceptibilidade para o atendimento das elites.
De outro lado, o próprio aprofundamento do autoritarismo não pode ser descartado. Momentos de tragédias e crise são comumente usados como justificativas para aplicação de medidas autoritárias por governos e/ou pelo mercado. Assim, não causa espanto Bolsonaro consultar a possibilidade de decretação de Estado de Sítio como forma de conter uma doença na qual afirma não acreditar. Na Hungria, seu parceiro Viktor Orbán, aprovou uma proposta que o permite outorgar leis por meio de decretos. Israel, de Benjamin Netanyahu, outro que integra o círculo de amigos de Bolsonaro, teve o parlamento fechado na semana passada quando primeiro-ministro utilizou a pandemia como instrumento para justificar sua incapacidade em montar o governo.
Quando o tema autoritarismo é mencionado não há como deixar de discutir a questão general Hamilton Mourão. Esse certamente reaviva os temores de um país que vivenciou 21 anos de ditadura militar e nunca terminou de enterrar seus mortos e expor seus algozes. E sim, não é descartado que por seu perfil e posicionamento ele flerte com saídas autoritárias.
Porém, basta olhar para o governo Bolsonaro para perceber que ele já é dominado pelos militares, e o próprio Presidente testa permanente o limite das instituições e abertamente insinua que a democracia é dispensável.
Por fim, gostaríamos de entrar naquele que talvez seja o ponto mais propalado entre muitos analistas: a ausência de correlação de força para derrubar Bolsonaro. Alguns afirmam que apesar do desgaste do Executivo com o Congresso, e da recessão que se avizinha, o povo não foi às ruas de maneira massiva e constante antes do início do isolamento que agora o impede de fazê-lo. A correlação de forças somente pode ser alterada com a ação dos agentes políticos. Esperar que as mudanças surjam do horizonte jamais é a melhor estratégia para conquistar as maiorias políticas e inverter a correlação de forças em uma dada situação.
Antonio Gramsci ao analisar o debate sobre realismo político afirma que os estadistas não devem se desinteressar pelo “dever ser”, pois isso significaria limitar suas perspectivas ao tamanho de próprios narizes. Para ele, não se trata de uma disputa entre pragmatismo e idealismo. Para Gramsci, o político é um criador, mas não cria a partir do nada, toma sim como base a realidade efetiva, que, contudo, não pode jamais ser confundida com algo estático e imóvel, pois ela é, sobretudo, uma relação de forças em contínuo movimento e mudança de equilíbrio.
Seguindo sua lógica, cabe, portanto, às organizações coletivas, partidos políticos, movimentos sociais, sindicatos, aplicar a vontade a criação desse novo equilíbrio de forças realmente existentes e atuantes, mover-se no terreno da realidade efetiva para dominá-la e superá-la (ou contribuir para isso). É um erro assistir de maneira passiva o desenrolar dos acontecimentos e afirmar que não havia correlação forças favoráveis para atuar de maneira distinta.
Portanto, para que o PT responda à altura do que o presente exige, garantindo a segurança social e sanitária do nosso povo, é preciso atuar para aprofundar insatisfação popular com Bolsonaro e seu governo, apresentando alternativas concretas para o país e aprovando a adesão do partido ao Fora Governo Bolsonaro Já!
03 de abril de 2020.
Coordenação Executiva Nacional da Avante